Mesmo que por inveja, precisamos mudar
Quis o destino que o Campeonato Brasileiro deste ano começasse no mesmo fim de semana de um dos jogos mais brilhantes, se não o mais brilhante, da temporada europeia: o confronto entre Manchester City e Liverpool, líder e vice-líder da Premier League separados apenas por um ponto na liga nacional mais rica do planeta.
Enquanto as duas equipes inglesas jogavam o melhor futebol possível, os velhos e compreensíveis chavões sobre a tal “outra modalidade” em relação ao esporte que se disputa por aqui imediatamente tomaram conta das redes sociais.
É justo constatar que, por maiores que fossem os esforços e as boas intenções, existem aspectos diretamente relacionados ao dinheiro que tornam os patamares da Premier League inatingíveis para o cenário brasileiro e sul-americano – a compra dos melhores jogadores do planeta, claro, é o principal deles.
Deveriam nos interessar, portanto, todos os outros aspectos, todos aqueles cuja quantidade de dinheiro não tem relação direta com um melhor espetáculo em campo.
O cumprimento eufórico de Pep Guardiola e Jurgen Klopp ao final do empate por 2 a 2, um resultado que não agradou plenamente a nenhum dos dois treinadores, diz muito sobre o jogo e o porquê dele ter sido o que foi. Diz muito sobre a intenção de ambos, sobre aquilo que os satisfaz, sobre o que e como seus jogadores são orientados a fazer quando pisam no gramado.
Em um jogo de futebol que na nossa visão habitual teria todos os ingredientes para ser “brigado, falado, pegado, pressionado e violento”, o que vimos foram 90 minutos de puro futebol. Foram 20 faltas no jogo, média de uma a cada 4,5 minutos (a média na rodada inaugural do Brasileirão foi de uma a cada 3 minutos). O VAR, quando necessário, agiu com agilidade e sem contestações. E o árbitro foi quase tão notado em campo quanto a bandeira de escanteio.
Não há avaliação de árbitro que resista àquilo que ocorre no Brasil: por melhor que seja uma arbitragem em campo, não há imagem que não saia destruída diante dos infindáveis bolos de atletas e técnicos protagonizando contestações na quantidade e intensidade que vemos por aqui, em quase qualquer partida.
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Essas cenas imediatamente costumam gerar, tanto em torcedores como em jornalistas e influenciadores de clubes, as avaliações de que o árbitro "não está sabendo conduzir a partida”, “está confuso”, “invertendo faltas”, “não teve pulso” e tantos outros clichês aos quais costumamos recorrer quando não há erro de arbitragem claro e inquestionável para apontar.
Nossa arbitragem merece inúmeras e contundentes críticas, mas isso não deveria nos impedir de perceber quantas vezes transferimos para ela um problema que está essencialmente no comportamento de técnicos e jogadores. A ideia de que futebol se ganha com gritos, peitadas e virilidade é onipresente por aqui e não traz benefício algum para o nosso futebol.
O Campeonato Brasileiro pode ser espetacular. Em sua primeira rodada, dois dos três favoritos já tropeçaram. Pelo menos quatro times que não pertencem a esse trio fizeram excelentes jogos. Passamos a ter alguns clubes bem estruturados, e novos investimentos estão chegando para outros. Bons jogadores, jovens e veteranos, não faltam. As torcidas são numerosas. O clima ajuda, a grama prospera. Temos vários novos estádios e, acima de tudo, uma população com mais de 210 milhões de pessoas para a qual o futebol é o esporte nacional. Sem falar na (ainda) admiração dos estrangeiros por nossa capacidade técnica.
O potencial do futebol brasileiro, e sobretudo de seu campeonato nacional, é gigante.
CBF, clubes e treinadores precisam agir, juntos, para mudar esse panorama de comportamento insano que predomina por aqui. Não é missão das mais complicadas e tampouco carece de grande investimento: bastam orientações, comunicação clara e punições.
A compreensão de que tornar os jogos de futebol no Brasil mais atrativos trará um campeonato bem melhor e, portanto, mais interesse e mais dinheiro, parece não ser simples, mas precisa acontecer. Nem que a motivação parta da simples inveja do que vimos neste domingo em Manchester.
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Mesmo que por inveja, precisamos mudar
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