Consequências da guerra na Ucrânia ao futebol: campeonatos suspensos, eliminatórias em risco, brasileiros isolados e clubes sancionados
A invasão da Rússia na Ucrânia gera gravíssimas situações para o povo ucraniano. Em conflitos bélicos, a população vulnerável é sempre quem mais sofre. Milhares buscam fugir do país pelas fronteiras com Polônia, Eslováquia, Romênia e Moldávia. Tantos outros simplesmente não conseguem deixar Kiev, capital do país, para onde as tropas russas avançam. Várias cidades estão sendo atacadas desde as primeiras horas desta quinta-feira (24). Inevitavelmente, o esporte é atingido.
O Campeonato Ucraniano foi oficialmente suspenso por 30 dias. Retornaria, após a longa pausa de inverno, nesta sexta-feira (25). Praticamente todos os times retornaram ao país, depois de intertemporada na Turquia. O que, infelizmente, provocou o isolamento de vários jogadores em locais atingidos pelo conflito.
Desde o início da guerra, em 2014, com a revolução ucraniana chamada de Euromaidan e a declaração de independência das repúblicas de Donbass, no leste, o país está dividido. O Shakhtar foi obrigado a deixar Donetsk, um dos epicentros das batalhas, e se mudar inicialmente para Kharkiv, depois Lviv e, por fim, Kiev, desde 2020. Lá estão, agora, todos os 12 jogadores brasileiros do clube, além de Júnior Moraes, naturalizado ucraniano. Ao lado de Vitinho, do Dínamo de Kiev, e todos familiares, os atletas estão em um hotel na capital aguardando alguma solução.
Na Ucrânia, jogadores brasileiros fazem apelo por ajuda: 'Não temos como sair; pedimos apoio ao governo'
Sem o mesmo apelo ou condição financeira privilegiada estão jogadores brasileiros de outros clubes. Guilherme Smith, Cristian e Juninho são atletas do Zorya, que também abandonou sua cidade em 2014, deixando para trás Luhansk e se estabelecendo em Zaporizhzhia, cerca de 400km a oeste. Em Kharkiv estão Derek, Fabinho e Marlyson, sem poder sair. Neste momento, de absoluta incerteza com o futuro da Ucrânia, todos precisam apenas de ajuda do governo brasileiro para conseguirem retornar.
"As famílias de funcionários, que possuem uma questão financeira mais abaixo, sofrem bastante. Os jogadores podem correr para outro país próximo, mas as pessoas daqui em dificuldade financeira, não. São cidades pobres, fica muito difícil para essas pessoas. A gente fica preocupado com elas, porque são pessoas do bem, só querem ser felizes, andar pelas ruas igual no resto dos países", afirmou com exclusividade para o blog Guilherme Smith, ex-Botafogo e desde o ano passado na Ucrânia. Já Fabinho, também em testemunho para o blog, disse que em Kharkiv as coisas ainda estão "aparentemente tranquilas", mas ele e os companheiros de Metalist seguem muito tensos.
Outros estrangeiros passam por situações semelhantes. O jogador argentino Claudio Spinelli, do Oleksandria, conseguiu fugir com os companheiros pela fronteira polonesa, confirmou o pai do atleta nas redes sociais: "Está escapando, pegou suas poucas coisas no apartamento e está tratando de escapar. Está em uma rota até a Polônia."
A Uefa, surpreendentemente e diferentemente do que aconteceu em 2014, quando a Rússia anexou a Crimeia, se posicionou a favor da Ucrânia. A final da Champions League desta temporada, marcada para São Petersburgo, será retirada, já informam diversas fontes internacionais. Nesta sexta haverá uma reunião extraordinária da entidade para confirmar e anunciar tal decisão. Há outros problemas por vir ainda no campo do futebol internacional.
Em 24 de março, a Rússia receberia a Polônia - adversária política do governo de Vladimir Putin - em Moscou, pela repescagem europeia para a Copa do Mundo. Se vencesse, jogaria a decisão da vaga novamente na capital russa contra Suécia ou Tchéquia. As três seleções adversárias já divulgaram manifesto conjunto contrário à realização desses jogos em território russo. Há possibilidade real de suspensão da seleção russa, como já aconteceu com a Iugoslávia na década de 1990.
Vale lembrar que a seleção ucraniana também está na repescagem, com partida programada contra a Escócia, fora de casa. A base da equipe é formada por Dínamo de Kiev e Shakhtar Donetsk, que não terão mais atividade até lá. Oleksandr Zinchenko, jogador do Manchester City e da seleção ucraniana, publicou em suas redes sociais mensagem contra o presidente da Rússia: "Putin, espero que morra sofrendo a morte mais dolorosa."
Quem também se manifestou foi Andriy Shevchenko, maior ídolo do futebol ucraniano. "Ucrânia é minha pátria. Sempre tive orgulho do meu povo e do meu país. Passamos por momentos muito difíceis e nos últimos 30 anos nos formamos como nação. Uma nação de cidadãos sinceros, trabalhadores e amantes da liberdade." As manifestações não foram apenas do lado ucraniano. Fyodor Smolov, jogador da seleção russa, através de seu Instagram, escreveu "Não à guerra."
A maior empresa russa é a Gazprom, uma das principais patrocinadoras da Uefa. Também estava na camisa do Schalke 04, da Alemanha, que anunciou nesta quinta a retirada da marca de seus uniformes e futuras conversas sobre o acordo.
"Tenho medo também. Muito mais do que no futebol, tenho medo da guerra. Tenho muitos amigos em Kiev e, mesmo que não tivesse, não queria a guerra. A maioria dos russos também não quer", afirmou também ao blogo o jornalista russo Grigory Telingater. "Não sei o que vai acontecer. Não sei. Amigo, é difícil dizer, depende do que os outros países acham. Tenho dúvidas que outros países queiram enviar suas armas e seus soldados para a Ucrânia."
Enquanto isso, clubes russos também sofrem com a decisão de seu presidente em invadir a Ucrânia. Estados Unidos, União Europeia e Reino Unido anunciaram uma série de sanções econômicas a empresas russas. O CSKA Moscou, do lateral Mário Fernandes, tem como maior acionista o bance VEB, punido pelos norte-americanos. Por isso, na lista divulgada pelo governo dos EUA, o clube moscovita apareceu oficialmente entre os citados.
Até então, apenas o Akhmat Grozny, clube da Chechênia, era o único na Rússia com sanções dos Estados Unidos, acusado de vínculo com movimentos terroristas na região. Além das perdas econômicas, o Akhmat perdeu também o direito de manter um canal no YouTube, por exemplo, uma empresa de capital norte-americano. O Sochi, que atualmente briga por um lugar na próxima Champions League, também deve sofrer consequências. A equipe pertence a Boris Rotenberg, bilionário amigo do governo russo e sancionado pelos Estados Unidos.
Aliás, a cidade de Sochi é um dos maiores exemplos de como futebol e política estão tão alinhados na Rússia. O local é tratado com enorme carinho por Putin, que há muitos anos destina recursos para a região para transformar Sochi em um enorme pólo turístico. Esportivamente, ganhou as Olimpíadas de Inverno, a prova de Fórmula 1 e um time profissional de futebol.
Nas últimas semanas, com o acirramento das tensões, antes ainda da invasão, muito se falava sobre a possibilidade de Shakhtar e Zorya passarem a disputar o Campeonato Russo. Isso jamais iria acontecer, pela falta de reconhecimento internacional das ações russas. Logo, Fifa e Uefa lavariam as mãos, como fizeram na questão da Crimeia, onde os clubes hoje são praticamente apátridas - estão proibidos de se vincular à federação russa e não fazem parte da estrutura ucraniana.
Agora, porém, a preocupação é outra. Trata-se da própria sobrevivência dos clubes ucranianos com o país sendo invadido por outra nação. Inicialmente, imaginava-se apenas a anexação dos territórios de Donetsk e Luhansk, até por isso as equipes passavam para os jogadores brasileiros mensagens de tranquilidade. As últimas 24 horas se tornaram um turbilhão político e bélico.
No final das contas, fica cada vez mais claro como governos jogam com a vida das pessoas no tabuleiro de geopolítica internacional.
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