Uma das mais interessantes histórias de bastidores envolvendo o fiasco da Superliga europeia foi contada pelo jornalista Raphael Honigstein, do site The Athletic, em seu Twitter.
Honigstein relata que, conversando com um dirigente de clube alemão, apontava que os doze superclubes envolvidos no projeto deviam ter ótimas ideias para superar os obstáculos que encontrariam, já que suas reputações estariam em jogo.
Ouviu a seguinte resposta: "Nunca subestime a incompetência das pessoas".
Cada novo detalhe que surge sobre as 48 horas que provocaram um terremoto no futebol europeu evidencia a incapacidade dos envolvidos em tratar a ideia com inteligência e racionalidade.
Vaidades, temores e traições foram expostas e deixaram ridicularizados alguns dos homens mais ricos e poderosos do esporte.
Matéria assinada por Tariq Panja e Rory Smith no New York Times conta que, dois dias antes do comunicado oficial, os responsáveis por tocar a Superliga nem tinham a assinatura dos doze clubes que fariam parte.
Na quarta-feira, só havia sete times comprometidos. Chelsea e Manchester City souberam na sexta e tinham um dia para se decidirem. Fizeram isso sem muita convicção - o que torna nada surpreendente o fato de também terem sido os primeiros a pular fora.
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Tudo isso enquanto Andrea Agnelli, o presidente da Juventus, era desmascarado como agente duplo. Conspirava para a Superliga enquanto presidente da Associação Europeia de Clubes (ECA), responsável por discutir os interesses de mais de 200 times do continente.
O presidente da Uefa Aleksander Ceferin, antes amigo de Agnelli a ponto de ser padrinho de sua filha, soube dos planos da Superliga, o procurou para confirmar a informação e ouviu que se tratava apenas de boato.
Quando Ceferin discutiu com Agnelli a divulgação de um comunicado para desmentir a notícia, o italiano simplesmente deixou de responder às tentativas de contato.
Foi Agnelli o responsável pela ansiedade por soltar a bomba da Superliga antes que a Uefa anunciasse, na manhã de segunda-feira, o novo formato da Champions. A notícia vazou, e a Uefa teve tempo de se manifestar condenando a iniciativa enquanto ela ainda não era oficial.
Depois da já histórica entrevista de Florentino Pérez ao programa El Chiringuito, o destino já estava selado. Bastou a primeira deserção para cair o castelo de cartas.
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Nem todos estavam na mesma página, nem todos tinham a mesma convicção. Agora os Doze Trapalhões são motivo de piada para a comunidade do futebol.
Mais do que isso, Agnelli pode até ser retirado da presidência da Juventus, por ter tornado a si mesmo - e por consequência, ao clube - um pária político.
Ao contrário das ocasiões em que as ameaças dos superclubes resultavam em reformas significativas no formato das competições, desta vez elas já estavam conquistadas em grande parte.
A fórmula de disputa da Champions a partir da temporada 2024/25 era exatamente o que havia sido aprovado com a colaboração e anuência da ECA.
Mas, agora, o equilíbrio de poder mudou. Os Doze Trapalhões se isolaram e vão demorar para recuperar um lugar de prestígio à mesa. Ele será ocupado por quem ficou ao lado da Uefa, como Paris Saint-Germain e Bayern. Como os ingleses lideraram a destruição interna do projeto, talvez sejam vistos com alguma benevolência. Mas pode levar tempo.
Nasser Al-Khelaifi, o presidente do PSG, agora é o presidente da ECA, em substituição a Agnelli. Por ter se negado a fazer parte da Superliga, o dirigente (que comanda um grupo de mídia que compra direitos de TV da Uefa) ganhou prestígio não apenas com a entidade, mas com o grande bloco de clubes que agora representa.
Entramos, então, em outra questão: se o modelo aprovado da Champions era o desejado pelos superclubes, mas neste momento eles estão politicamente fragilizados pela própria incompetência, não seria o caso de rever questões importantes?
O modelo de disputa é confuso - 36 times, sem grupos, jogando cada um contra dez adversários diferentes, com tabela ponderada pelo ranking para que todos tenham um calendário de dificuldade semelhante. Os oito melhores avançam diretamente às oitavas, os times que terminam entre 9º e 24º jogam uma fase intermediária em mata-mata.
Uma maratona de 180 jogos para eliminar apenas doze equipes.
Das quatro novas vagas diretas, apenas uma vai para um campeão nacional, classificado das fases preliminares. Outra é do terceiro colocado da quinta melhor liga pelo ranking (França), e as duas restantes ficam reservadas a times com os melhores coeficientes (desempenho nas competições europeias por cinco temporadas) entre os classificados para algum dos torneios continentais.
Para explicar melhor: se já estivesse em vigor para esta temporada, Tottenham e Arsenal seriam os beneficiados e poderiam jogar a Champions em vez da Europa League.
O modelo, que serve como uma rede de segurança para equipes importantes que tenham uma temporada ruim, rompe com a lógica de que toda classificação para a Champions se conquista nas ligas nacionais, desde sempre um pilar da competição.
Por que a Uefa, que falou abertamente em traição, deveria manter o compromisso assumido? O próprio comunicado que detalha as mudanças admite que ainda é possível fazer ajustes, com as discussões acontecendo até o final deste ano.
Dificilmente se mexerá no número previsto de rodadas, pois o valor dos direitos de televisão está diretamente ligado à entrega de jogos, mas transformar as vagas por coeficiente em mais duas vagas para campeões nacionais passaria uma mensagem importante, além de recompensar quem nunca tentou descer do barco por egoísmo.
Seria um justo castigo a quem conseguiu a façanha de apresentar um projeto rejeitado até pelos próprios torcedores e implodi-lo em dois dias.
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