Ancelotti e Mourinho, que alguns davam como acabados, brilham na Europa e animam grandes seleções
O tempo é implacável! Com pessoas e com alguns
julgamentos. Em várias áreas da sociedade, vemos uma certa vontade de aposentar
profissionais com idade um pouco mais avançada. Claro que tem algo de natural
nisso, afinal os mais novos chegam com muita vontade, atualizados e normalmente
ganhando salário menor. Mas descartar pura e simplesmente a experiência e um
currículo de peso porque “o tempo passou” muitas vezes é um erro e uma grande
injustiça. Eu poderia citar aqui uma série de exemplos, mas focarei o post em
dois dos maiores técnicos da história do futebol que estavam meio esquecidos, descartados
e que foram até ridicularizados: Carlo Ancelotti e José Mourinho.
O italiano que fará 63 anos no mês que vem é conhecido
pela liderança silenciosa. Tem muito menos marketing do que outros treinadores.
Mesmo assim, ele é o primeiro técnico a ser campeão nacional nas cinco
principais ligas da Europa e também agora o recordista isolado em finais de
Champions League comandando uma equipe (cinco decisões, uma a mais do que Sir
Alex Ferguson, Jürgen Klopp, Marcello Lippi e Miguel Muñoz). Ancelotti, que já
tinha feito um ótimo trabalho no Real Madrid em sua primeira passagem, voltou
ao clube merengue para a surpresa de muita gente que esperava algum treinador
da moda, alguém mais valorizado no momento, um cara menos velho.
Nesta memorável temporada do Real Madrid, o experiente Ancelotti eliminou, em série, os endinheirados Paris Saint-Germain (Mauricio Pochettino), Chelsea (Thomas Tüchel) e Manchester City (Pep Guardiola). Três treinadores que estão em alta prateleira do futebol europeu por trabalhos recentes caíram na hora mais aguda diante de um Ancelotti que outro dia perdeu do Sheriff em casa, um Ancelotti que parecia, para alguns, só em condições de treinar um Napoli ou um Everton. Mesmo nesses times que não brigam por título de Champions, havia olhares de desconfiança sobre a capacidade atual do trabalho de Ancelotti. Após eliminar o City de Guardiola, uma das tantas imagens tocantes no Santiago Bernabéu foi a do italiano agradecendo ao chefe Florentino Pérez: “Obrigado por me trazer, presidente”.
Ancelotti sabe que a chance de treinar um
time de ponta para quem tem idade mais avançada é rara. Ele já decidiu que o
Real será seu último clube, sairá por cima mesmo que perca a final para o
Liverpool de Klopp, que tem mais time e mais tempo de trabalho. Conseguiu o
título espanhol com sobras, quando alguns apontavam o Atlético de Madrid de Simeone como
favorito inicialmente. Ele evoluiu vários jogadores, especialmente os
brasileiros Vinícius Júnior e Rodrygo, oferecendo de bandeja para Tite um atacante
titular desequilibrante e um outro reserva que é capaz de mudar jogos complicados
no final. Deu mais solidez e confiança a Militão, manteve a liderança e a competitividade
de Casemiro e resgatou até Marcelo, que estava para sair do clube.
Modric está jogando mais do que quando ganhou a Bola de Ouro. E Benzema então? Vai ser o próximo Bola de Ouro também pelo esquema montado por Ancelotti, que vai ceder um monstro de centroavante para a seleção francesa tentar outro título mundial. Quase sem nenhum reforço de peso ou galáctico para a temporada (o titular Alaba e o reserva Camavinga foram as grandes novidades na equipe) e com alguns jogadores estelares que não estão muito a fim há um bom tempo, como Bale, Ancelotti foi levando o barco com Asensio, Isco, Mariano, Jovic, Lucas Vázquez, Nacho e Ceballos. Não é o melhor Real Madrid da história, é inferior a todos os adversários que pegou no mata-mata. Isso só aumenta o valor do treinador, que entende muito de futebol e do clube que dirige, da camisa pesada que representa. Como bom italiano, Ancelotti organiza bem seu time taticamente e tem mais cautela no início (por isso Rodrygo normalmente só entra no fim dos jogos e o time vira nesses momentos em que se abre). Discípulo do genial Arrigo Sacchi, o ex-volante do Milan diz que vai torcer para sempre para o Real e para o rubro-negro italiano quando se aposentar. Mas tem gente na Itália querendo ver Ancelotti como treinador da Azzurra, que pela segunda Copa seguida fica fora da maior festa do futebol mundial. O treinador, com um pequeno sorriso e sua tradicional sobrancelha levantada, afirmou apenas, em entrevista recente, que quer mesmo é que a Itália esteja no Mundial de 2026.
Mas a Itália redescobriu outro gênio da
prancheta: José Mourinho, que já revelou algumas vezes ter o desejo de treinar
alguma seleção algum dia (a Azzurra seria uma das opções). Mourinho pode ser o primeiro técnico a ganhar os três
principais interclubes da Europa: já ganhou a Champions League duas vezes, a
Copa da Uefa e sua sucessora Europa League uma vez cada e, agora, pode faturar a
Conference League. E pode fazer isso com a Roma que, de título internacional, tem só a antiga Copa das Feiras, uma taça de cidades, em 1961. O último clube
italiano que ganhou algum título europeu foi a Inter de Mourinho em 2010, temporada
em que o lendário Special One conseguiu a Tríplice Coroa no calcio. Também foi
em 2010 que ele eliminou de forma épica no Camp Nou o badalado Barcelona de Guardiola
mesmo jogando com um atleta a menos (Thiago Motta foi injustamente expulso) por
mais de uma hora contra Messi.
Muito possivelmente, Mourinho também possuiria
títulos das cinco principais ligas nacionais da Europa se tivesse a chance de
treinar por uma temporada o Bayern de Munique e o Paris Saint-Germain nos últimos anos.
Ele ganhou Premier League, LaLiga e Serie A, faltaram os campeonatos de
Alemanha e França para igualar Ancelotti. Pouca gente sabe, mas Mourinho, tão poliglota
quanto Guardiola, também fez curso de alemão. Perguntaram para ele se seria por
algum acerto com algum clube da Alemanha (Guardiola estudou o idioma antes de assumir o
Bayern), mas Mourinho disse que não, seria apenas para adquirir mais conhecimento
e ajudar nos papos com jogadores e outros profissionais que falam alemão, prova de que ele não está acomodado e ainda busca evoluir. Mesmo
com currículo invejável (ficou 9 anos sem perder em campeonato nacional como
mandante e quebrou recordes defensivo, na Inglaterra, e ofensivo, na Espanha),
Mourinho foi colocado de lado pelos times de ponta da Europa nos últimos anos,
mas veja o que aconteceu com o Manchester United após a saída dele. Nada. Ou crise atrás
de crise. Mourinho ganhou Liga Europa, Copa da Liga e Supercopa da Inglaterra pelos Red Devils. Depis, ninguém ganhou mais nada. O Special One não era o problema
do clube. E ele até avisou a turma em Old Trafford sobre os problemas que vinham de temporadas anteriores. Foi em busca de um novo desafio então, dizendo sempre que ainda tem muitos anos de estrada para trabalhar como técnico, esbanjando motivação e disposição maior até para as mídias sociais e documentários, sendo mais "moderninho" e divertido.
No Tottenham, que não ganha título nenhum
desde 2008, Mourinho melhorou até o Kane, que virou um artilheiro-garçom, rei
de assistências também, aproveitando a velocidade de Son e Lucas Moura. Assim,
bateu duas vezes o poderoso Manchester City de Guardiola, mas o demitiram na
semana da final da Copa da Liga. Era a chance de os Spurs saírem da fila, mas
deixaram um estagiário comandar o clube na decisão contra o favorito City. Tem
todo um bastidor nessa demissão inoportuna do Special One envolvendo a então
Superliga europeia (que nasceu praticamente morta), mas o fato é que Mourinho foi
sacado de forma burra após ele apostar alto e certo na Copa da Liga para dar um
troféu ao carente clube londrino. Eliminou no caminho até seu querido Chelsea no famoso
jogo do banheiro (ele foi buscar o zagueiro Dier, que estava com “necessidades”,
no banheiro na reta final do jogo). Mas cortaram suas pernas a poucos dias da decisão. Pior para o Tottenham, caso singular de lugar em que Mourinho trabalhou e não ergueu troféu.
Assumir a Roma permitiu a Mourinho reencontrar
a pátria da tática e da defesa. Os italianos o respeitam demais, ele é amado
pela torcida da Inter de Milão e também agora pela galera da Roma. Além dos resultados,
ele age muito com o coração, é latino demais, faz de cada jogo e de cada copa
uma experiência especial. Ele é um obcecado por vitória, quer fazer da Roma campeã,
como quase fez com o Tottenham. Por isso deu tanto valor para a Conference, a mais
nova competição da Uefa. Deixou para trás alguns rivais encardidos, inclusive o
Bodo/Glimt, campeão norueguês que manda jogos no Ártico em gramado artificial e
que meteu seis na Roma de Mourinho na fase de grupos. Mourinho, que é criticado
muitas vezes por problemas de relacionamento, reformulou o time após a goleada
sofrida, deixando de lado atletas como Bryan Reynolds, Gonzalo Villar e Borja
Mayoral. Mexeu duramente com o grupo, que fez algumas grandes partidas na
temporada. Meteu 3 a 0 no clássico contra a Lazio e aplicou um 4 a 1 fora de
casa na Atalanta do badalado Gian Piero Gasperini, um caso raro de técnico veterano
que estava em alta nas últimas temporadas.
Mourinho vai completar 60 anos no ano que vem, é bem mais experiente do que Arne Slot, técnico de 43 anos do Feyenoord, seu embalado adversário na final da Conference League. O Special One já fez história ao chegar à final, sendo o primeiro treinador a alcançar decisões continentais na Europa por quatro clubes diferentes (Porto, Inter, Manchester United e Roma). O homem que ganhou Champions League com Carlos Alberto e Derlei no ataque já provou que não precisa de Messi, de Cristiano Ronaldo ou de muito investimento para fazer grandes trabalhos. Pegou o atacante Abraham, já que o querido Chelsea não o queria, e está fazendo história na Roma mesmo com algumas limitações e sem contar com o ótimo ala-esquerdo Spinazzola, lesionado. A Roma perdeu apenas um dos seus últimos 14 jogos na Serie A.
Eu poderia aqui lembrar também de Van Gaal, veterano que estava aposentado e que topou a missão de salvar a seleção da Holanda e guia-la até a Copa mesmo lutando contra um câncer agressivo de próstata. Só que os “Bolas da vez”, mais uma vez, são Ancelotti e Mourinho. Talvez eles percam as suas finais continentais e voltem a ser rotulados por alguns como antiquados e ultrapassados, mas acho que eles já merecem muitos elogios pelo que fizeram nesta temporada. A história eles já escreveram faz tempo e todos sabem, estavam já na galeria dos maiores. Mas eles estão mesmo agora em um grande momento, chorando de emoção como fez Mourinho ao eliminar o Leicester City, abraçando tão agradecido o presidente que deu um emprego improvável como fez Ancelotti.
Meu urologista tentou me convencer há algumas
semanas que eu ainda sou jovem. Disse a ele que estou perto de completar 50
anos. Ele me explicou então que hoje, com o avanço da medicina e alguns hábitos,
jovem pode ter até 70 anos (ele até sugere, brincando de forma séria e científica,
que os benefícios dados para a terceira idade passem no país de 60 para 70
anos). Vendo show do Kiss, com Paul Stanley voando em tirolesa por cima da
multidão aos 70 anos, e curtindo a temporada de Ancelotti e Mourinho, estou acreditando
ainda mais no meu urologista.
Ancelotti e Mourinho, que alguns davam como acabados, brilham na Europa e animam grandes seleções
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