Aproveito a Copa do Brasil cheia de duelos estaduais para lembrar que em clássico não se poupa
Em todo lugar do mundo, clássico é um jogo especial, é um duelo diferenciado que mexe demais com os torcedores, é um confronto lembrado por décadas às vezes, é motivo de piada e provocação no trabalho, na escola, na faculdade, no bar, na rua, na praia, nas mídias sociais etc. A vitória vale muito mais do que os três pontos, e a derrota dói mais do que um tropeço comum. Todo mundo sabe isso tudo que eu escrevi, mas parece que alguns profissionais do futebol relativizam isso ou pouco ligam para isso.
Rogério Ceni não garantiu força máxima contra
o Palmeiras nesta quinta-feira pela Copa do Brasil porque tem jogo no domingo
pelo Brasileiro contra o Juventude. O treinador são-paulino transferiu para a
diretoria a responsabilidade de “arriscar tudo” contra o rival alviverde no
meio da semana. Se eu fosse diretor, eu mandaria Rogério fazer o possível e o
impossível para vencer o time que bateu
no São Paulo, com requintes de crueldade, na final do Campeonato Paulista e na
última segunda-feira no Morumbi pelo Brasileiro. Mas e se alguém se machucar ou
se cansar nesta quinta-feira? Paciência, faz parte do futebol e do esporte. Mas
e o duelo contra o Juventude no fim de semana, duelo em casa contra time da
zona do rebaixamento? Importa muito menos para o torcedor são-paulino do que qualquer
Choque-Rei. Quero acreditar que Rogério apenas se perdeu nas palavras após
levar a virada no Morumbi na última segunda. Por mais que ele priorize o
Campeonato Brasileiro, não é possível que ele não tenha a exata noção do valor do
clássico para os tricolores.
Eu critiquei Crespo quando ele poupou
jogadores contra o Corinthians em Itaquera no Paulista do ano passado. Na
ocasião, ele priorizou o confronto contra o Racing na fase de grupos da Conmebol Libertadores e desperdiçou grande chance de quebrar o tabu são-paulino no
estádio corintiano. O Timão de Vagner Mancini estava muito enfraquecido, e seu
treinador acabou caindo pouco depois. O São Paulo, posteriormente, usou
reservas nos três últimos jogos da fase de grupos da Libertadores, conseguiu a
classificação sem muito problema e eliminou o próprio Racing nas oitavas. Como
Crespo ganhou o Paulista e tirou o São Paulo da fila, muitos entenderam que ele
fez o certo em poupar naquele clássico. Mas vai falar isso para a Independente
e para outros milhões de são-paulinos que não aguentam mais jogar em Itaquera e
não vencer. Dava tranquilamente para dar o máximo contra o Corinthians, avançar
na Libertadores e ainda conquistar aquele Estadual.
O mesmo raciocínio vale para Abel Ferreira. Eu fui um dos poucos que o criticaram por ter colocado time reserva contra o São Paulo na reta final do Brasileiro do ano passado. Era um jogo no Allianz Parque lotado com cara de despedida do time antes da final da Libertadores, e havia ainda outros dois confrontos depois antes da decisão continental contra o Flamengo. O plano do Abel foi usar reservas em casa em um clássico e levar o time principal no fim de semana para enfrentar o Fortaleza no Nordeste. Como o Palmeiras conquistou o bicampeonato da Libertadores (venceu na prorrogação com falha de Andreas Pereira, e poderia ter perdido no tempo normal se Michael não falhasse em uma finalização no fim da partida), as escolhas de Abel foram elogiadas. Só que o Flamengo também poupou titulares contra o Corinthians na semana anterior à final e perdeu a decisão da Libertadores.
O resultadismo coroou o plano do Abel de usar
reservas contra o ameaçado Tricolor. O estrategista português e seu time tiveram
a rara e histórica chance de rebaixar praticamente o São Paulo para a segunda
divisão, porém entenderam que isso não teria muita importância. Por mais que todos
os palmeirenses amem, com razão, seu treinador, alguns que eu conheço não concordaram
com essa “ajuda” que ele deu para um rival. E esses também têm razão, a meu
ver. Ganhar a Libertadores é mais importante do que rebaixar um rival, mas dava,
sim, para ter os dois prazeres. O Palmeiras tem levado boa vantagem sobre o São
Paulo desde 2015, sobretudo nos jogos no Allianz Parque. Em quase todos os
triunfos alviverdes no Choque-Rei, os palmeirenses lembram da frase desastrada
de Carlos Miguel Aidar, ex-presidente tricolor que, em meio às bananas que
comia, falava do “apequenamento” do Palmeiras. Rebaixar o São Paulo seria uma
excelente resposta para essa tolice dita com soberba pelo cartola são-paulino.
Outro técnico português chegou ao Brasil e
poupou logo de cara em clássico. Vítor Pereira, comandante do Corinthians, teve
a coragem de tirar o pé em um Derby. O Palmeiras, que já era favorito, venceu o
mais tradicional clássico paulista com autoridade. Cobrado pela decisão de usar
alguns reservas contra o maior rival, Vítor se defendeu dizendo que sabe o que é
um clássico porque participou de vários. Ele de fato treinou até o Fenerbahçe,
mas será que na Turquia a torcida de seu time aprovaria formação reserva contra
o Galatasaray? Duvido muito, mesmo que tivesse depois uma partida por torneio
internacional. A desculpa de Vítor Pereira para entrar sem força máxima diante
do Palmeiras foi um duelo da fase de grupos contra o Boca Juniors pela
Libertadores. Não dava para usar força máxima nos dois jogos? Quando tem Real Madrid x Barcelona antes de rodada da Champions League os dois gigantes espanhóis
usam reservas? Claro que não! O Rangers se matou para ir à final da Europa League na última temporada, mas sem aliviar jamais para o Celtic.
Citei três casos de treinadores estrangeiros
que pouparam em clássicos paulistas nos últimos tempos. Alguém pode dizer que
eles não conheciam bem as nossas rivalidades locais, outros podem afirmar que
eles são bons demais e têm planos melhores do que os técnicos brasileiros. O
fato é que vem agora Rogério Ceni, à frente do seu amado São Paulo e preocupado
com o calendário, dando mostras que pensa mais no Juventude em mais uma rodada
do Brasileiro do que em um mata-mata contra o Palmeiras no único torneio importante
que ele e seu clube jamais venceram. Quanto vale financeiramente chegar às
quartas de final da Copa do Brasil? Certamente mais do que o São Paulo vai
lucrar na partida contra o Juventude. Muito mais que isso, quanto vale para o são-paulino
não ser humilhado de novo pelo Palmeiras e talvez, quem sabe, ter o gostinho de
eliminar o badalado rival que é o melhor da América atualmente? Há coisas que
não têm preço. Clássicos são assim, valem muito mais do que aparentam.
As oitavas de final da Copa do Brasil apresentam, além de São Paulo x Palmeiras, outros vários clássicos estaduais: Atlético-GO x Goiás, Fortaleza x Ceará e Corinthians x Santos. Imagino que ninguém vai tirar o pé nesses confrontos, e o mesmo vale para Atlético-MG x Flamengo, um dos maiores clássicos interestaduais do país. Perder de rival acontece e torcedores até entendem isso devido às situações e às fases de um e de outro, mas beira mesmo o incompreensível não dar o máximo em duelos tão significativos. Aliás, até mesmo em uma goleada sobre o rival, é possível lamentar quando a equipe tira o pé e não faz mais gols, não faz ainda mais história, não humilha ainda mais o adversário. Espero não ter que fazer outro post sobre esse tema. Sinto que estou escrevendo o óbvio ao afirmar que em clássico não se poupa.
Aproveito a Copa do Brasil cheia de duelos estaduais para lembrar que em clássico não se poupa
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