Relato atual do maior torcedor do Chelsea no Brasil e coluna antiga sobre o Chelsky explicam os Blues
Preferi escrever sobre o Chelsea justamente neste domingo por uma série de questões sentimentais. Nos últimos dias, vimos uma série de notícias sobre os Blues por conta da anunciada venda do clube. Muitas especulações sobre o futuro do time pós-Roman Abramovich, algumas brincadeiras com o passado não tão glorioso da instituição, várias reflexões sobre investimentos vultosos no futebol. A revolução econômica do futebol neste século passa muito pela história de sucesso do “Chelsky”.
No dia 14 de setembro de 2003, eu publiquei na Folha de S. Paulo, na minha saudosa coluna “Futebol no Mundo”, um artigo apresentando a aquisição do Chelsea por parte de um bilionário russo cujas intenções não eram bem claras. Mas estava muito nítido que o time mais azul de Londres passaria a fazer barulho na Inglaterra e viraria uma referência global no esporte. Com uma grande injeção de dinheiro, o Chelsea contratou excelentes atletas e treinadores, acumulando troféus e se transformando no primeiro clube de Londres a conquistar a badalada Champions League.
Foi exatamente naquela temporada 2003/2004, a primeira de Abramovich nos Blues, que passei a comentar com regularidade a Premier League no Brasil, quase sempre ao lado do amigo Paulo Andrade, que chegava ali à ESPN para virar “a voz do futebol inglês” no país. Eu estive totalmente envolvido então (são quase 20 anos) com a metamorfose pela qual passou o Chelsea. Pude comprovar a ascensão meteórica de José Mourinho (de quem ainda sou um grande fã), muito pelo impacto que ele causou na sua chegada ao Chelsea, desafiando o império de Sir Alex Ferguson e, em menor grau, de Arsène Wenger. O “Chelsky”, como descrevi naquela minha coluna marcante de 2003, deve ser visto como um case de sucesso. Foi um marco tão importante no esporte que inspirou o fair play financeiro no futebol europeu.
Segundo algumas pesquisas com mídias sociais, o Chelsea seria hoje o time estrangeiro mais popular no Brasil, algo impensável no século passado, quando pouco contato tínhamos com o futebol britânico aqui no país. O Campeonato Italiano dominava as transmissões na TV, especialmente na sua era dourada nos anos 80 e 90, e os dois gigantes espanhóis já geravam bastante interesse pelos seus craques. Havia um preconceito com o futebol inglês, associado à violência, ao hooliganismo, ao jogo físico e direto (kick and rush), ao chuveirinho, a uma certa soberba mesmo com poucos resultados expressivos, a um jogo chato e feio. Só que existia também um respeito internacional com algumas camisas tradicionais, notadamente Arsenal, Liverpool e Manchester United, até hoje os maiores campeões ingleses.
O Chelsea foi durante muito tempo coadjuvante nessa época pouco global do futebol inglês. Isso significa dizer que quase ninguém o conhecia a fundo no Brasil. Uma exceção é o jornalista Antonio Seidl, com quem tive o prazer de conviver na redação da Folha no meio da década de 90. Em 1995, ele me convocou para um jogo do time do jornal contra um colégio britânico de São Paulo. A partida terminou 3 a 3, e eu fiz um hat-trick perfeito, um gol de direita, um de esquerda e o outro de cabeça, o que foi um orgulho para mim na época diante de uma forte zaga inglesa. Seidl, mais do que um fiel torcedor dos Blues, vivencia o clube de verdade, carrega seu espírito há décadas mesmo vivendo no Brasil, entende o futebol inglês como poucos. Uma paixão que nasceu antes de internet, videogame, TVs a cabo e streaming. Seidl não é nada modinha, ele personifica a tradição do Chelsea.
Comentei a goleada de 4 a 0 dos Blues no Burnley neste sábado e troquei mensagens com o Seidl sobre este momento importante do Chelsea, que acaba de ser campeão do mundo e que está prestes a ser negociado com algum outro bilionário estrangeiro. Meu velho amigo azul aceitou escrever algumas palavras sobre sua relação umbilical com o clube de um bairro londrino de elite que agora é tão popular no planeta. Seidl, que morou muito tempo em Londres, é autor do livro “O beijo na calçada – crônicas extraordinárias de um repórter ordinário”, uma obra que trata também de futebol inglês, da chegada pioneira de Ardiles e Villa à Terra da Rainha (ele estava no mesmo avião dos argentinos), de como o Watford salvou a vida de Elton John e até mesmo do baile que Stanley Matthews deu no Nilton Santos em Wembley.
Vou postar aqui abaixo o texto que o gentleman Seidl me enviou sobre o Chelsea. No fim, colocarei a reprodução daquela minha coluna profética de 2003 sobre o “Chelsky”. Creio que são leituras diferenciadas e curiosas não apenas para quem gosta dos Blues. Sempre revelei que meu time inglês favorito é o Liverpool, mas o clube que mais comentei jogos na TV imagino ser mesmo o Chelsea. E costumo dar sorte ao clube, as torcidas dos Blues no país costumam me ver como um amuleto e pedem sempre que eu repita a célebre frase sobre o incansável volante do time: “70% do planeta é coberto por água, o resto é coberto pelo Kanté.”
Desfrute dos textos abaixo assim como você certamente desfrutou de algum jogo histórico (mesmo que pela televisão) em Stamford Bridge, um estádio raiz na endinheirada Premier League!
DA BEIRA DO ABISMO AO TOPO DO MUNDO
(texto de Antonio Carlos Seidl)
Minha história com o Chelsea começou no dia 16 de setembro de 1978; 25 anos antes da era Abramovich. Recém-chegado a Londres para cursar um mestrado na London School of Economics, aproveitei uma rara tarde ensolarada de sábado para ter meu primeiro contato com os Blues, de quem muito ouvira falar nas entusiasmadas histórias do futebol inglês contadas por um amigo, o jornalista José Inácio Werneck, um dos pioneiros das transmissões da ESPN para o Brasil. Ele morou no Royal Borough of Kensington e Chelsea entre os anos 60 e 70, e vibrou com as conquistas do Chelsea da FA Cup, em 1970, e da Cup Winners Cup, a Recopa europeia, em 1971, numa heróica vitória por 2 a 1 na finalíssima, em Pireu (Atenas), com um gol de Peter Osgood, o Ossie, um dos maiores ídolos do clube de todos os tempos, sobre o então hexacampeão europeu, o Real Madrid, de Di Stéfano e Puskás. A minha estreia no ainda acanhado Stamford Bridge, com um curioso estacionamento atrás de um dos gols, não foi nada alvissareira: o Chelsea foi impiedosamente massacrado por 4 a 0 pelo Manchester City; nosso capitão Ray Wilkins, que viria a brilhar no Manchester United e na seleção inglesa, na época um jovem promissor, foi expulso de campo, e o Chelsea somou sua quarta derrota seguida nos seis primeiros jogos do campeonato, no qual foi rebaixado para segunda divisão. Que estreia! Pé frio? Continuei, porém, fiel ao Chelsea, que até ali só tinha sido campeão inglês uma única vez, em 1955. Testemunhei uma das piores fases do clube que quase foi à falência. Ninguém podia, então, imaginar que o destino traria os bilhões de um russo para colocar aquele modesto time de bairro no centro do Mundo. Nos anos 80, com a companhia de meu filho Rodrigo, torcedor de nascença dos Blues - morávamos perto do clube, íamos sábado sim, sábado não, com sol (raramente) ou chuva (quase sempre), a Stamford Bridge, mesmo quando estávamos na segunda divisão. Ele torcia, sempre usando a camisa do clube, aplaudindo muito seus ídolos, a dupla de ataque David Speedie e Kerry Dixon, e lamentando os frangos engolidos pelo inseguro Dave Beasant. Estávamos lá em maio de 1988, quando o Chelsea, depois de um empate em 1 a1 com o Liverpool de Kenny Dalglish e John Barnes, caiu para a segundona. Ficamos emocionados com o apoio da torcida, tão apaixonada na vitória quanto na derrota. Na última década do século passado, bem antes do oligarca russo despejar seus bilhões no clube, a redenção do Chelsea teve início quando um controverso magnata da construção civil, Ken Bates, assumiu o controle do clube. Começou a reconstruir Stamford Bridge, adicionando ao clube um moderno hotel - somente a suíte dele tinha uma janela para o campo… Logo trouxe grandes craques para o clube, tais como Ruud Gullit, Glen Hoddle, Gianluca Vialli e Gianfranco Zola, entre outros. Depois de Bates, um torcedor fanático e self-made millionaire, Matthew Harding, morto precoce e tragicamente em desastre em seu helicóptero, aos 43 anos, em 1996, liderou a reconstrução de Stamford Bridge, que de 25 mil passou a abrigar com conforto cerca de 52 mil torcedores. Rodrigo e eu voltamos para o Brasil em 1992, onze anos antes da era Abramovich, acompanhando nosso time pela TV. Fomos tomando gosto pelo crescimento exponencial do Chelsea nas nossas visitas anuais a Londres, quando assistimos a jogos da Champions League. Sob Abramovich ganhamos tudo que é possível - 21 títulos ao todo em 19 anos. E agora? Como será o Chelsea sem o russo? Polêmico, controverso, odiado por muitos, objeto de críticas no Parlamento Britânico, Abramovich vai deixar saudades na torcida do Chelsea, esta mais interessada em medalhas do que em geopolítica. Sem a rechonchuda carteira dele, talvez o Chelsea ainda estaria no sobe e desce, lutando humildemente por uma posição de meio de tabela. Ainda bem que a goleada sofrida na minha primeira vez como um Blue foi pequena para me fazer desistir do Chelsea…
COLUNA DE RODRIGO BUENO (14/09/2003, Folha)
“Se o sertão vai virar mar ninguém sabe, mas que o mar virou céu ninguém tem dúvida.
O Chelsea foi rebatizado informalmente de Chelsky. A brincadeira na Europa em torno do tradicional time londrino pode ficar séria. Tudo isso por causa de uma autêntica revolução russa.
O magnata Roman Abramovich assumiu o controle do clube inglês. Seu plano? Colocar a equipe imediatamente no mesmo nível do Manchester United e do Real Madrid. Só para começar.
Crespo, Verón, Makelele, Geremi, Duff, Mutu, Johnson, Bridge, Cole... São até agora 157 milhões na compra de jogadores, quase 120 milhões a mais do que o homem do petróleo na Rússia pagou recentemente para ter a maioria das ações do Chelsea.
A ambição não parou por aí. Nos últimos dias, Roman tirou o Beckham dos dirigentes ingleses do agora rival Manchester United. Peter Kenyon foi peça fundamental na ascensão dos Diabos Vermelhos no fim do século 20.
A contratação do badalado executivo mostra que mais loucuras financeiras podem vir pela frente. Kenyon tratou, por exemplo, da contratação do zagueiro Ferdinand por mais de US$ 40 milhões.
Mas quem é esse Roman? A biografia dele mostra dor (perdeu o pai com quatro anos e a mãe quando tinha só 18 meses) e dinheiro (aos 36 anos era, segundo a lista da Forbes, a 49ª pessoa mais rica do planeta). Passou pelo exército russo e concentrou seus negócios em Omsk (lembra do War?). Sua meteórica ascensão, óbvio, despertou muitas dúvidas.
A partir de 1992, Roman passou a integrar o círculo do ex-presidente Boris Yeltsin. Enquanto a Rússia sofria grave crise econômica, jorrava cada vez mais grana para o empresário e político (virou governador em sua região).
Para se divertir, comprou um time de hóquei. Quis se divertir um pouco mais e levou o Chelsea.
Seu mais novo brinquedo está na Copa dos Campeões, que começa para valer na terça-feira. E os números mostram que não entrará para brincar. O Chelsky gastou 51,6% do total investido por clubes ingleses para a temporada. O esbanjador Real Madrid "só" ficou mesmo com Beckham por aquela pechincha (25 milhões agora e mais 10 milhões, talvez, nos próximos quatro anos). Enquanto o mundo todo tira o pé do acelerador, Roman pisa fundo.
Se o time anglo-russo está gastando errado não tem problema. Há muito mais para gastar, e a mídia já despertou para o novo braço do magnata (terça tem Sparta x Chelsea na ESPN Brasil).
O começo não mais que razoável no Campeonato Inglês não incomoda porque a equipe está sendo montada às pressas. Antes, as estrelas eram "apenas" Desailly, Petit, Hasselbaink, Babayaro...
O técnico Claudio Ranieri soma quatro temporadas no Chelsea, mas de repente teve a sensação de ter trocado de clube tamanha foi a mudança recente. Alguns insucessos ou alguns caprichos de Roman podem fazer com que essa sensação se torne realidade.
Não dá para dizer ainda se Roman e o céu têm limites. Sabe-se que o céu é tão azul quanto o mar e o Chelsea. E que o céu é maior.”
Relato atual do maior torcedor do Chelsea no Brasil e coluna antiga sobre o Chelsky explicam os Blues
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