'Geração Sofascore' falha ao ignorar peso de camisa e sofre com o próprio Sofascore no Real x PSG
Senta que lá vem polemiquinha, coleguinha. O jogo mais comentado da temporada até aqui ainda não acabou e será debatido, eu aposto, por muito tempo ainda, inclusive na Copa do Mundo. Muita gente rotulou que o endinheirado Paris Saint-Germain perdeu de virada para o Real Madrid e foi eliminado da Champions League, de forma bastante doída, porque seus três principais astros não marcam, não voltam, não ajudam, não se aplicam devidamente e que, dessa forma, não há como uma equipe vencer hoje em dia no futebol. Mas será que foi isso mesmo? Será que o badalado Sofascore confirma mesmo isso?
Para quem não sabe, o Sofascore é um famoso site
com muitos dados e estatísticas, mapas de calor e alguns outros recursos para
acompanhar os jogos. Não é o único do tipo, claro, mas muita gente (incluindo
jornalistas especializados) utiliza os números do Sofascore para explicar o que
aconteceu em uma partida, para julgar a performance dos atletas e por aí vai. Desde
que o esporte começou, há reflexões e tentativas de entender as derrotas. É uma
eterna busca para achar os vilões, os responsáveis pelos fracassos. Só que, com
o avanço da tecnologia, da internet e das novas mídias, nunca tivemos tantas
ferramentas para analisar o esporte. O Sofascore e os “power rankings” da vida
ganharam bastante notoriedade nos últimos tempos explorando isso. Pena que eles
ainda não medem e calculam o peso da camisa do Real nem a pressão sobre o adversário
e o árbitro no Santiago Bernabéu.
Eu li outro dia, não sei aonde, esse termo “Geração
Sofascore”. Era uma forma pejorativa de se referir a quem usa apenas os números
e as estatísticas para comentar futebol. Tem gente que parece mesmo ter uma
tara maior pela “numeralha” do que pelo próprio jogo em si. De repente nem vê o
jogo direito, mas pega depois as estatísticas e lacra em cima disso. Digamos
que é uma forma mais moderninha de ser resultadista. O PSG dominou o Real
Madrid em 75% do confronto e perdeu muito por conta de falhas individuais (há
quem culpe Donnarumma, Marquinhos ou mesmo o árbitro holandês Danny Makkelie).
Mas a narrativa mais bacana e midiática é dizer mesmo que o estelar time francês
não funcionou porque Neymar, Mbappé e Messi apenas viram o jogo.
Com toda a calma do mundo, eu fui no
Sofascore ver os números dos três craques e comparar com os dos demais jogadores.
Eu recomendo que você faça o mesmo, dê uma conferida nos mapas de calor dos atletas
envolvidos, as notas que eles acumularam pelos 3 a 1 históricos em Madri.
Neymar tocou mais na bola do que Vinícius Júnior, Messi participou mais do jogo
do que Benzema, e Mbappé ganhou três vezes mais duelos do que Ascensio. Dos
seis homens de frente citados aqui, o que deu mais tackles foi Messi, argentino
muito criticado por ter sumido da partida. Veja no mapa de calor que Messi
voltou muito mais para o campo de defesa do que o jovem e veloz Vinícius
Júnior. Uma série de conclusões podem ser tomadas ali. Você pode escolher, em
meio a tantos números e posicionamentos em campo, aquela que preferir para defender
sua tese e depois você se consagra.
As três melhores notas do PSG foram
justamente de Mbappé (7,5), Neymar (7,4) e Messi (7,2). Mbappé fez três gols no
jogo, dois anulados. Neymar deu a bela assistência para esse gol. As piores
notas do Paris Saint-Germain ficaram com Donnarumma, que falhou no primeiro gol,
e com Hakimi, badalado lateral-direito que é muito forte no apoio (5,9). O
capitão Marquinhos, elogiado zagueiro da equipe, veio logo na sequência como o
pior do time, levando 6,1 (ele falhou no terceiro gol, sobretudo, dando a bola
para Benzema selar a épica classificação merengue). O único que se salvou um
pouco na defesa do time de Pochettino foi Kimpembe, que saiu com uma nota 6,5 na
avaliação do Sofascore. Com seu hat-trick, Benzema ficou com nota 9,6, sendo
seguido por Modric (8,1). Além dos dois, só Vini Jr teve nota maior (7,7) que
Mbappé e Neymar. Valverde, solução encontrada por Carlo Ancelotti para o
meio-campo sem Casemiro, foi ligeiramente melhor do que Messi (7,3 x 7,2). E Valverde
é conhecido por marcar muito mais do que o genial argentino, que joga na frente.
Mauricio Pochettino, que até outro dia era considerado
um excelente treinador, uma prova do sucesso da escola argentina na Europa e
tal, agora é massacrado por ter sido engolido pelo veterano (e subestimado)
Ancelotti, que alguns davam como limitado e ultrapassado. A entrada de Rodrygo e
Lucas Vázquez no corredor direito surtiu efeito, assim como Camavinga no lugar
do craque Kroos, que era dúvida por causa de lesão. Pochettino errou ao não
tirar um dos três astros do PSG e reforçar a marcação na reta final do jogo?
Potencialmente, sim. Mas, se Donnarumma não tivesse falhado, se Marquinhos não
tivesse entregado o ouro ou mesmo se Messi tivesse feito aquele gol de falta no
fim, o debate seria outro depois do jogo. Alguém diria que esses talentos podem
resolver a qualquer momento, assim como o Messi salvou muitas vezes quase só um
Barcelona bagunçado nos últimos anos.
Real Madrid comemora vaga na Champions!
Quem sentenciou que não é possível jogar com
três jogadores “livres” no futebol atual foi Simeone, o técnico argentino que
faz sucesso no Atlético de Madri com muita marcação, raça, bola parada e
contra-ataque. Segundo ele, com um a menos marcando, tudo bem. Com dois a menos
marcando, até daria para levar. Com três a menos marcando, é impossível ter sucesso.
Vemos alguns times mais ousados hoje em dia atacando com cinco homens. Nem todo
mundo volta no Bayern ou no Manchester City, por exemplo. O Van Gaal quase
levou a Holanda ao título da Copa de 2014 (saiu invicto e fazendo grandes
partidas) adotando um esquema para deixar Sneijder, Robben e Van Persie livres.
A mesma Holanda, um tanto quanto pragmática, quase ganhou a Copa de 2010 também
com o time correndo para deixar esses três craques livres e soltos para resolver
as partidas (pena que Robben não converteu aquele gol de canhota na final na
cara de Casillas).
Aquele primeiro gol do Real Madrid, polêmico
por conta da suposta falta de Benzema no goleirão Donnarumma, mudou
completamente a história do jogo e do confronto. Courtois contou após o jogo o
que o Real Madrid esperava da partida. O “plano” era fazer um gol, um simples
gol qualquer, e depois o Santiago Bernabéu se encarregaria de fazer o outro gol
da classificação. Não tinha quase nada de questão tática, era a empolgação, a
confiança, o fator casa, a tradição, a torcida, a atmosfera, o espírito, o
caráter, a mística, um combo resumido em Camisa! O bom e velho Ancelotti
resumiu bem o final da partida, aquela pressão avassaladora do Real Madrid: “Nos
últimos 30 minutos, só havia um time em campo”. A questão psicológica, o
momento de um time e de outro eram completamente diferentes ali. Mas tem gente que
se nega a falar em “camisa”, em fatores subjetivos.
Há quem diga que a camisa do Real pesa
condicionando o juiz a agir favoravelmente ao “Malvadón de Madri”, ao “clube do
mal”. Isso entra no pacote da camisa sim, time poderoso normalmente é mais
ajudado do que prejudicado por arbitragens em todo o mundo. O maravilhoso e decantado
Barcelona de Guardiola ganhou muito com a ajuda da arbitragem, como vimos no famoso
jogo da semifinal contra o Chelsea em 2009 na Champions (no ano seguinte, foi
eliminado pela Inter de Mourinho mesmo tendo ajuda do juiz, que expulsou de forma
exagerada o Thiago Motta). Mas camisa pesada vai muito além de ganhar no apito.
Havia a clara sensação no final do jogo no Santiago Bernabéu que o Real
viraria, que havia um gigante de um lado e no outro canto acuado tinha um time
sentindo demais, acovardado, apequenado. História e mística nem sempre ganham jogos
e campeonatos, mas algumas vezes, em algumas situações, a camisa decide, pesa
muito mesmo. Sofascore e “power rankings” não conseguem medir isso direito, mas
quem vê e, sobretudo, sente o jogo sabe que isso existe.
Eu não escrevo este post para satanizar os
números e as análises mais profundas e modinhas do futebol. Eu também uso os
Optas da vida em transmissões e programas, também leio The Athletics pelo
mundo, mas não vejo sempre essas fontes e informações como a verdade absoluta
de tudo nem fecho os olhos para outros fatores importantes e subjetivos que
acontecem nos jogos. Seria muito fácil ficar dando RT em tudo que é estatística
e mapa de calor do futebol mundial para posar de professor da bola, de dono da
verdade, de mestre estatístico, de cara que sabe exatamente por que se ganha e
por que se perde no mais popular dos esportes.
“O futebol não é uma questão de vida ou
morte, é muito mais do que isso”, já dizia o sábio Bill Shankly. Eu termino aqui
com uma diferenciada adaptação dessa frase: “O futebol não é uma questão de
Sofascore ou power ranking, é muito mais do que isso.”
'Geração Sofascore' falha ao ignorar peso de camisa e sofre com o próprio Sofascore no Real x PSG
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