Casas de aposta são vítimas nos casos de manipulação de jogos, mas decidi não fazer propaganda agora
O escândalo de manipulação de jogos no
futebol brasileiro é o assunto do momento. Para algumas pessoas, era uma bomba
relógio, um problema que vem aumentando na esteira do crescimento colossal das
casas de apostas, que hoje em dia financiam centenas de equipes e ligas mundo
afora. Ouvíamos sobre casos em jogos de menor expressão e em outros países. A
ideia de que isso estava acontecendo na elite do futebol brasileiro parecia
meio irreal, afinal jogador de time grande normalmente é bem remunerado e não precisaria
de um “dinheirinho” extra, não seria tolo a ponto de colocar a sua carreira em
risco por causa de um lateral, um escanteio, um cartão amarelo, um pênalti etc.
Como falei no programa Futebol 90 outro dia, entendo mesmo que as casas de aposta são grandes vítimas nesses casos de manipulação de jogos. São estabelecimentos que, de certa forma, até dependem da credibilidade no esporte para existir. Se ninguém acredita na lisura das partidas, ninguém vai apostar. E tem gente ganhando dinheiro de forma ilícita em cima das casas de aposta. Assim, satanizar agora esse mercado não é bem o caminho, até porque apostas existem desde que o esporte existe (a tão elogiada Inglaterra é pátria mãe do futebol e também das casas de aposta).
Minha relação com as casas de aposta começou há
alguns poucos anos, quando comecei a botar uma grana por diversão como um
apostador normal. Não ganhei nem perdi dinheiro relevante, mas me viciei
rapidamente. Estava perdendo tempo precioso da minha vida apostando
seguidamente e, depois, acompanhando todo tipo de jogo de várias modalidades ao
longo do dia e da noite. Esse é um problema sério das casas de aposta: elas
viciam. Tanto que achei bacana uma casa de aposta que já indicava até tratamento
psicológico para os casos de viciados em jogatina. Eu parei um tempo com as
apostas, voltei depois de um tempo com essa prática e parei de novo já faz mais
de um ano. Essa vontade de apostar varia, para mim, muito da época em que estou,
das conversas com amigos que apostam com bem mais frequência, das inúmeras
propagandas e vantagens oferecidas pelas casas de aposta. Mas eis que eu recebi
há poucas semanas um convite diferenciado: virar parceiro comercial de uma
dessas casas.
Até hoje, como jornalista, só fiz parceria
comercial mesmo com cursos. Em um deles, fui professor. Em outro, faço
divulgação nas minhas mídias sociais e ganho uma pequena porcentagem se algum
seguidor meu se matricula usando meu desconto. Essa é uma prática hoje comum
entre jornalistas, muito por conta desta era das mídias sociais em que quase
todo mundo tenta monetizar postagens. Divulgar um curso, ainda mais sobre jornalismo
e sobre futebol, não foi um problema para mim, pois estimulo mesmo naturalmente
as pessoas a sempre estudar e aprender como for possível. Pensei como seria
quando eu recebesse uma proposta para vender um outro tipo de produto. Há quem
não goste de fazer comercial de bebida alcoólica ou de cigarro, coisas que
causam dependência e afetam negativamente muitas famílias. Mas não seria um
problema parecido divulgar casas de apostas?
Fiquei pensando durante alguns dias se devia
associar a minha imagem ou não a uma casa de apostas. Eu preciso mesmo fazer isso
para ganhar um dinheiro extra? Hoje, não. Tenho um bom salário na ESPN, onde
estou empregado e satisfeito. Talvez precise de uma parceria comercial como
essa no futuro para garantir, sobretudo, a saúde e a educação dos meus filhos. E
por eles (e em uma situação de desemprego) eu faria sim propaganda de uma casa
de apostas tranquilamente, pois, como escrevi no início deste post, não as vejo
como responsáveis por manipulação de jogos. Eu talvez recomendasse apenas apostar
com sabedoria para não comprometer o dinheiro dos meus seguidores e alertaria
para o risco de se viciar nas apostas. Tenho colegas na imprensa que fazem
publicidade de casas de aposta. Não os condeno. E tenho colegas que vetam com
veemência qualquer contato com casas de aposta. Eu os respeito. Se um dia eu fizer
propaganda de casa de apostas, será porque a proposta é muito compensadora ou
porque eu esteja precisando muito de grana. Tomei essa decisão conversando com
pessoas próximas e com colegas. Cada um sabe o que faz e o que precisa. Mas por
que eu estou tratando disso?
A fala de Marçal, lateral-esquerdo do
Botafogo após os 3 a 0 no Corinthians, foi bem sincera e reveladora. Ele contou
que recebeu um convite, em mensagem no Instagram, de uma pessoa que queria lhe
pagar por cartão amarelo recebido. Vetou na hora a proposta, respondendo com palavrão ao aliciador. Na entrevista, Marçal falou que quase todos os jogadores
no futebol recebem hoje algum tipo de oferta do tipo. E, com o caso Bauermann
bastante exposto, percebemos que há jogadores que aliciam outros atletas. Isso
já acontecia tradicionalmente no nosso futebol com a chamada mala branca. Normalmente,
eram jogadores que faziam propostas para outros jogadores, afinas os cartolas
espertos não queriam se “sujar” se o caso fosse revelado. Não trata-se então de
um caso isolado, o ex-zagueiro do Santos (creio que já posso falar assim de Bauermann)
não é o único investigado no momento. Talvez estejamos vendo apenas o topo do
iceberg. Não temos ideia real do alcance do problema ainda, qualquer lance
agora pode ser colocado em dúvida, o que é triste demais para o esporte.
“No meu caso, foi ano passado contra o
Flamengo. Eu tomo cartão por reclamação. Depois, eu recebi uma mensagem no
Instagram dizendo: ‘Tomando cartão por reclamação? Mais vale ganhar dinheiro
por isso.’ Eu dei uma resposta que não pode passar na televisão e nunca mais
tive contato. Acaba tendo esse tipo de abordagem. Como foi assim. Com outros é
de outra maneira. Todo jogador já recebeu algum tipo de convite. Que as pessoas
possam responder à altura e também mostrar à polícia. Se (um apostador) faz o
convite e você diz não, com certeza ele procura outro. E talvez outro diga sim,
seja por uma situação ruim no clube ou problema financeiro. Que esses jogadores
que foram pegos sirvam de lição para outros e que a gente possa ter um campeonato
limpo. É triste porque acaba afetando o Campeonato Brasileiro. Acaba tendo uma
visibilidade negativa. Porque isso está acontecendo com jogadores que não
precisam disso. Isso passa pelo caráter do jogador. Vocês sabem o quanto é
difícil chegar no profissional, sabem o quanto é difícil você estar em um clube
grande de Série A. E você, depois de toda essa luta que tem para chegar, se
queima por causa de um esquema. É ridículo. Espero que os jogadores respondam”,
afirmou Marçal.
Onde está o sindicato dos jogadores para
tratar deste assunto tão sério agora? Trabalho com ex-atletas que estão
revoltados, tristes e até envergonhados pela classe. Os jogadores precisam se
manifestar, se posicionar, esclarecer todo tipo de convite ou aliciamento. Mesmo
se tiver que acusar algum colega que se vendeu por algum lance para esses criminosos
do submundo das apostas, que as denúncias sejam feitas. As casas do ramo têm
mecanismos para detectar apostas suspeitas e devem também ajudar a revelar
esses casos que atentam contra o esporte e contra o próprio negócio. Não acho
que as casas de apostas deixarão de perder poder no futebol atual (embora a
Premier League já tenha decidido que, a partir de 2026/2027, não vai ter mais
patrocínio de casas de aposta na frente das camisas dos times), mas algo
precisa ser feito para pegar e punir com rigor quem está roubando.
Tem muita gente roubando dinheiro e, mais que
isso, a honra e a credibilidade do futebol. E há algumas coisas que não têm
preço.
Casas de aposta são vítimas nos casos de manipulação de jogos, mas decidi não fazer propaganda agora
COMENTÁRIOS
Use a Conta do Facebook para adicionar um comentário no Facebook Termos de usoe Politica de Privacidade. Seu nome no Facebook, foto e outras informações que você tornou públicas no Facebook aparecerão em seu cometário e poderão ser usadas em uma das plataformas da ESPN. Saiba Mais.